Um casal de mulheres está acusando a escola Asas de Papel, em Feira de Santana, de preconceito e LGBTfobia, devido à tentativa da instituição de impedir que as duas participassem da festa do Dia das Mães, acompanhando a filha. Em entrevista ao Aratu On, Larissa e Mariana contaram que não é a primeira vez que a instituição falta com respeito a elas e dizem que o local “não é nada inclusivo”.
As psicólogas Larissa Porto e Mariana Leonesy contam que matricularam a filha, Marina, atualmente com quatro anos, na Escola Asas de Papel há três anos e desde o começo a instituição não oferece o mínimo de condições para a criança, que é autista, classificada como grau dois de suporte.
“Se você observar, a escola possui uma estrutura linda, que chama atenção. Eles usam de um discurso construtivista, inclusive, mas eles não aplicam nada disso e só descobrimos depois que matriculamos Marina. Desde o começo eles se recusavam a dar o mediador educacional para ela, mesmo com um relatório médico da neurologista, e só contrataram após muita luta nossa. Mas tiraram, no começo desse ano, sem nenhum aviso”, explica Larissa.
DIA DAS MÃES
Segundo o casal, sempre houve por parte da escola uma resistência para as demandas que elas solicitavam, tendo o desgaste se acentuado após o Dia das Mães deste ano. A situação começou quando Larissa e Mariana receberam um comunicado sobre o evento, no qual estava registrado que apenas uma acompanhante deveria estar presente para a cerimônia. Como nos anos anteriores, elas enviaram os dois nomes para a lista, o que motivou a instituição e reafirmar que apenas uma deveria ir, provocando, assim, a revolta das mães.
Nas mensagens trocadas via whatsapp, disponibilizadas para o Aratu On, a instituição de ensino alega que a situação descumpre “regras” e, por isso, apenas uma pessoa, “mãe ou representante” deve comparecer. Alegando que “todas as demais famílias cumpriram o procedimento legal”, a escola pede a retificação na lista de nomes.
O casal então justifica que, como são duas mães, não tem como escolher uma para ir, afirmando em seguida: “iremos as duas”. Além disso, elas dizem que, em toda a escola, são o único casal homoafetivo. Em seguida, elas argumentam que a obrigação de escolher uma das duas para o evento “gera um dano irreparável” e que essa seria “mais uma, das muitas violências sofridas” durante esses três anos.
CONFIRA OS PRINTS:
Arquivo Pessoal
“A gente não teve comemoração do Dia das Mães. A gente chegou lá e as diretoras nos olhavam com raiva, tentaram nos barrar novamente. Nos sentimos intrusas. Sabe aquele lugar que você não deveria estar?” Larissa Porto
De acordo com a advogada e vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB), Luise Reis, os prints evidenciam a falha no projeto pedagógico da instituição, que “deixou de valorizar as diferentes configurações familiares, promovendo a diversidade e a inclusão”.
Além disso, Luise relembra que, “infelizmente”, o que Larissa e Mariana passaram acontece frequentemente na sociedade, ainda que exista todo um aparato legal para proibir e coibir isso.
“Este caso sinaliza um posicionamento social de que, embora no Brasil existam leis que protejam a população LGBTQIA+ e, especificamente, mulheres lésbicas, é recorrente que modelos que priorizam o patriarcado estrutural, em instâncias públicas ou privadas, tenham posicionamentos lesbofóbicos”.
Desde 2023, o Superior Tribunal Federal reconhece que atos de LGBTfobia são equiparados à injúria racial e, em 2019, o mesmo STF já havia decidido que esse tipo de discriminação era enquadrada como racismo, sendo assim, crime inafiançável e imprescritível. Além disso, o infrator está sujeito a punição de um a três anos de prisão, prevista na Lei no 7.716/89.
Larissa e Mariana vão judicializar o caso e afirmam que querem, de alguma forma, iniciar uma mudança na instituição. “Eu acho que é importante a escola começar a compreender que não tem que aceitar a diversidade (como uma obrigação). Na verdade, ela precisa existir. É trabalhar com inclusão, porque é um compromisso da educação pedagógico, trabalhar com a diversidade”.
Ao Aratu On, a advogada do casal, Larissa Santiago, já foi registrado um Boletim de Ocorrência pelo crime de homofobia. Além disso, foi protocolado um pedido de “reparação por danos morais e se estuda que a instituição adote medidas de capacitação, treinamento, para corrigir esse tipo de prática discriminatória”.
A profissional complementa ainda que está circulando uma baixo-assinado que deve ser enviada ao Ministério Público, para que o mesmo intervenha no caso e impeçam que esse tipo de postura volte a ser cometida pela instituição.
“Essas providências são nesse sentido, de que a escola adote medidas corretivas e tenha uma nova postura, para lidar com todas as famílias, que seja inclusiva e não exclusiva para famílias não tradicionais”, pontua.
O casal acredita que a postura da direção do Asas de Papel é uma espécie de “perseguição”, pelos recorrentes embates entre as partes. “Sabe como eu me sinto, verdadeiramente falando? Eu me sinto violentada, me sinto expulsa todos os dias”, disse Mariana.
Elas ainda lembram que, em outro evento da instituição, o Dia dos Avós, não havia limitação de um representante por família, com os quatro sendo convidados para participar.
“Eu queria muito frisar isso. Ninguém pergunta, por exemplo, quem é o representante dos avós da família materna, ou representante dos avós da família paterna. Então, é como se tivesse uma ditadura do biológico, no sentido de definir os laços de parentalidade, e quem é, de fato, mãe, e quem é representante de mãe”, elenca Mariana, que trabalha como professora da Universidade Estadual de Feira de Santana, atuando na área de psicologia da educação.
“A LGBTfobia e a lesbofobia são notórias, na medida em que se questiona o papel da maternidade de uma das mães. Porque nós não somos representantes, não somos tias, avós, para se ficar questionando o tempo todo”. Mariana Leonesy
MUDANÇA
Durante a entrevista, as mães da pequena Marina contam que, apesar dos problemas, após conseguirem a mediadora educacional para acompanhar a criança em sala, elas preferiram manter a filha na escola, por causa do apego dela aos colegas de turma e que, mudanças bruscas e frequentes são “muito complicadas” para autistas. Porém, com a retirada do profissional, sem nenhum aviso, no começo deste ano letivo, o casal está articulando a troca de escola durante as férias de junho.
“Neste momento, quando nosso direito foi retalhado e os demais foram cerceados, a comunicação com a escola foi sendo fechada, eles não respondem mais a gente. Então, estamos em transição, porque não é algo que acontece de um dia para o outro. Estamos conversando com Marina, sobre a possibilidade de trocar de escola e já estamos procurando, cuidadosamente, um novo local”, revelou Larissa.
“Imagina se todas as vezes que a gente chega no lugar, sofre a LGBTfobia e a gente fala ‘não vamos mais estar aqui, vamos sair’. E, no próximo lugar, vamos sofrer novamente e ter que sair. Como fica o processo de aprendizado de Marina? Então é ter que ficar, ocupar esses espaços, eu pensava. Mas chegou em um nível tão alto, que a escola não quer que a gente fique, não quer ter espaço para mudança. Eu penso que é importante a gente ocupar os espaços buscando isso, mas agora, se tratando da nossa filha, não dá mais. Eu acho que a minha mudança é essa, é querer fazer a mudança, mesmo que fora dessa escola!”, finalizou.
De acordo com a vice-presidente da Comissão de Diversidade, caso alguém passe por situações de LGBTfobia, pode buscar ajuda em órgãos legais e outros equipamentos. “Pode procurar a Defensoria Pública ou advogados da sua confiança, a COERCID (Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Intolerância e Discriminação) e Centro Municipal de Referência LGBT+”.
Vale lembrar que nesta sexta-feira (17/5), é celebrado o Dia Internacional contra a Homofobia, criado a partir da data em que o termo “homossexualismo” passou a ser desconsiderado e a homossexualidade foi excluída da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 17 de maio de 1990.
O Aratu On entrou em contato com a Escola Asas de Papel, porém, a instituição não se pronunciou sobre o caso. A matéria será atualizada em caso de resposta.
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